"Sonhar é o que nos mantém vivos"

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Li e achei interessante...

Maridinho
Todos conhecem o Maridinho. .
Sempre bem arrumado. E perfumado.
Quando tem alguém novo no grupo, o Maridinho se apresenta com uma pergunta: - Como é que sua esposa lhe chama? - “Ei, você! “Ô peste.” - Às vezes até pelo nome…Os outros dão risada, mas o Maridinho fica sério.
Espera até que o barulho acabe e então continua:
- A minha mulher me chama de Maridinho.Os outros fazem força para não rir.
O novo no grupo pergunta: - Maridinho? - Ela me adora – diz o Maridinho, faceiro. - Agora mesmo ela me vestiu, me penteou e me deixou sair para dar uma volta.
- É a sua mulher que veste você?
- É. Depois de me dar banho.
- E deixou você sair para dar uma volta…
- E ai que não deixasse. Ai que não deixasse!
- O que é que você faria?
- Me atirava no chão e começava a espernear. Comigo é assim. Dureza.
- E você pode ficar na rua o tempo que quiser?
- Você está brincando? O tempo que quiser. Até escurecer, é claro. - Ela não quer que você fique na rua de noite?
- Não. O Maridinho se aproxima do outro para cochichar. Diz:
- Você sabe que maridinho solto na rua depois que escurece a carrocinha pega?
- A carrocinha?
- Tem uma carrocinha que pega maridinho solto e leva para fazer sabão. Minha mulher me contou.
- Sua mulher lhe contou…
- Ela me adora.
- Mas às vezes você não tem vontade de ficar na rua, tomar uns chopes…
- Não diga essa palavra!
- Que palavra?
- Não posso dizer.
- Chope?
- É.
- Você não pode dizer nem a palavra?
- Não. Senão eu chego em casa, minha mulher cheira o meu hálito e diz: “Você andou dizendo chope”. Ai, meu Deus, agora eu já disse…
- E o que é que acontece?
- Ela me bota de castigo, sem comida.
- E você aceita isso?
- Claro que não! Está pensando o quê? Mulher nenhuma vai me dominar. Depois que ela dorme eu vou na cozinha e como uma bolacha. Comigo é assim. - Dureza.
- dureza. Levantou a voz comigo, já sabe.
- O que é que acontece?
- Eu choro.
- Mas vem cá…O maridinho interrompe o outro com o dedo na frente dos lábios.- Shhh. Ouviu isso? É a mulher me chamando. Tenho que voltar para casa.
- Eu não ouvi nada.
- Ela usa um apito especial. Só maridinho é que ouve. Tenho que ir.
- Mas olha, dureza, hein?
- Dureza. Comigo é assim.
Mulherzinha
Esta história é da Mulherzinha.
O marido sempre a tratava assim.
“Minha mulherzinha…”
Tinha enorme carinho pela mulher. Olhava para ela como se olha para uma criança, ou para um cachorrinho.
Sua mulherzinha.
Ela às vezes tentava reclamar, reagir, e então ele ria muito.
Virava-se para quem estivesse por perto e dizia:
- Viram só? Ela virou fera! Essa mulherzinha…E a abraçava ternamente.
A mulherzinha vivia na sombra do marido.
Quando tentava dar sua opinião sobre algum assunto mais sério, ele piscava o olho, afagava sua cabeça e dizia:
- Não preocupa essa cabecinha linda com essas coisas. Vai fazer um cafezinho pra gente, vai. A mulherzinha se resignava.
E um dia o marido chegou em casa, foi dar um beijo na sua testa, como fazia sempre, e não acertou a testa.
- “Ué, você está diminuindo de tamanho?” Mas não esperou para ouvir a resposta.
Nunca ouviu as respostas da mulher. Ela era seu mimo. O seu cachorrinho.
Naquela noite notou que a mulher realmente parecia estar encurtando. E na manhã seguinte levou um susto. A mulher estava do tamanho de uma criança.
Quando a carregou pela mão ao médico, preocupadíssimo, ela já estava da altura o seu joelho. O médico não soube explicar o fenômeno. A mulher permanecia perfeitamente proporcionada, só menor. O marido apavorou-se. Não era apenas o fato de não ter mais uma mulher para abraçar. Ela não podia fazer coisas que fazia antes. Levava dois, três dias para cerzir uma meia. Tinha que fazer o cafezinho xícara por xícara, pois não agüentava o peso de mais de uma. Não podia mais cozinhar, sob o risco de cair na panela. Ia na feira e trazia um tomate na cabeça como uma trouxa. Um aspargo debaixo do braço. Para costurar os botões na camisa do marido, tinha que segurar a agulha com as duas mãos.
Os amigos, estranhando que não eram mais convidados para visitar a casa deles, perguntavam: - Como vai a mulherzinha? E o marido queria brigar. Quem é que você está chamando de mulherzinha?
Um dia, aconteceu. O marido chegou em casa com uma caixa de bombons para a mulher – ela levava um dia só para chegar no recheio – e não a encontrou. Tinha desaparecido. Estava, provavelmente, do tamanho de um cisco.
E até hoje o marido anda pela casa na ponta dos pés, cuidando onde pisa, para não pisar na mulherzinha. Desconsolado.
Luis Fernando Veríssimo

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